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Patrono

Dr. Carlos Pinto Ferreira – um Homem bom

Exerceu o cargo de Presidente da Junta de Freguesia da Junqueira, entre Janeiro de 1951 e Março de 1954. Após este mandato, presidiu durante doze anos à Câmara Municipal de Vila do Conde, demonstrando o seu autêntico espírito de serviço. Durante esses anos, não colheu louros nem lucros materiais; não semeou discórdias nem perseguiu adversários; não favoreceu amigos nem familiares. Não foi o cargo que o tornou conhecido e lhe deu prestígio mas a forma honrada como o exerceu. A imparcialidade era a tónica dominante da sua actuação, não era mais amigo de uns que de outros, era simplesmente amigo de todos.

Quando, em 1979, foi homenageado pelo povo da sua terra, em carta aberta publicada num dos jornais de Vila do Conde, um seu antigo adversário político dirigiu-lhe estas palavras: "Sabe muito bem que durante a dezena de anos em que esteve à frente da edilidade vilacondense teve em mim um dos seus mais intransigentes adversários. Não lhe poupei críticas, as críticas que então se podiam fazer, nem adocei censuras, talvez demasiado sistemáticas e estreitas… Nunca, porém, o minimizei como pessoa, pois sempre lhe reconheci, com as limitações que todos nós temos, algumas qualidades essenciais de profundo significado humano, uma, sobretudo, digna do maior relevo: a Bondade."

 

 

Entrevista extraída do jornal "Aguarela" n.º14 – UM BOM CIDADÃO

Actual director da Escola Profissional de Vila do Conde, O Dr. António Amorim teve oportunidade de conviver de perto com o Dr. Carlos Pinto Ferreira. O jornal "AGUARELA" foi ouvir o seu testemunho, que ilustra muito bem a personalidade do patrono da nossa escola.

Aguarela- Quem foi o Dr. Carlos Pinto Ferreira ?

Dr. Amorim- O Dr. Carlos Pinto Ferreira pode ser visto de muitos pontos de vista, mas o ponto de vista que eu acho que é fundamental é a maneira como ele exerceu a sua profissão. Um homem que escolheu a profissão de médico, nunca saiu da sua terra, exerceu sempre a sua actividade com gente que ele conhecia. Nunca optou pela vida urbana, que lhe podia ser, do ponto de vista financeiro, mais proveitosa e procurou viver no meio do povo com poucas possibilidades económicas e isso reflectiu-se na sua própria vida financeira. Toda a vida foi um homem bom que viveu com dificuldades económicas precisamente porque a maior parte das pessoas doentes não tinha sequer dinheiro para comprar os medicamentos ou pagar os seus honorários e numa altura em que ninguém ou quase ninguém estava ligado a um serviço de saúde. Ele via os doentes normalmente de manhã no seu consultório, mas depois fazia as visitas domiciliárias, que hoje nenhum médico faz. Hoje os doentes, mesmo que estejam muito doentes, têm que se deslocar ao consultório do médico ou ao hospital. Naquele tempo, o Dr. Carlos Pinto Ferreira, no seu automóvel pequenito (no tempo de guerra andava num carro puxado a cavalo, pois não havia gasolina), ia visitar os seus doentes. A simpatia com o povo da terra vem daí, esse culto que existia ao Dr. Carlos Pinto Ferreira vem precisamente daí. Era um homem que estava de serviço vinte e quatro horas por dia, levantava-se de noite a qualquer hora. Hoje os médicos não fazem isso, os tempos são também diferentes, as pessoas têm muitos serviços a que podem recorrer. Naquele tempo não havia, mas ele na sua zona assegurava esses serviços.

"Nunca optou pela vida urbana, que lhe podia ser, do ponto de vista financeiro, mais proveitosa e procurou viver no meio do povo com poucas possibilidades económicas…"

Penso que não foi por ser Presidente da Câmara que o seu nome ficou na memória das pessoas. Foi o lado humano do Dr. Carlos Pinto Ferreira que de facto o marcou. É um homem que fica na história do concelho de Vila do Conde, é um homem que fica sobretudo na história da terra onde ele nasceu e onde sempre viveu. A sua faceta humana e a maneira como exerceu a sua actividade profissional foi aquilo que ficou na memória do povo da Junqueira e das freguesias vizinhas.

Aguarela- O que mais se manifesta nele é a vertente humana, mas também tinha preocupações políticas…

Dr. Amorim- Vamos situá-lo do ponto de vista político. Eu muitas vezes desde pequeno frequentei a casa dele porque sou da idade dos seus filhos e muitas vezes tive oportunidade de conversar com ele. Quantas vezes eu o ouvi fazer referências à política! Era um homem do Estado Novo, um homem nitidamente do Estado Novo, mas ele justificava aquilo que dizia e, quando a gente lhe falava nos ideais da liberdade, ele dizia: "Vós é que não conhecestes como é que se vivia no tempo da República!" – e contava que quando estava a estudar no Porto havia tiros todos os dias, existia aquela instabilidade política permanente e isso, num jovem de vinte anos que estava a tirar o seu curso, acaba por deixar marcas. Mas não era um activista, não era um homem fundamentalista: era um homem que prezava os valores humanos e um defensor da liberdade. Ele nunca fez mal a ninguém, exerceu um cargo de doze anos de Presidente da Câmara, não há ninguém que se queixe que ele usou o poder para martirizar ou penalizar fosse quem fosse. Até há uma coisa que eu suponho que também é comum pensar-se: ele fez, digamos, uma espécie de pacificação do Concelho. Havia correntes, não sei se eram políticas ou religiosas ou pessoais…

 

"Era um homem que prezava os valores humanos e um defensor da liberdade."

Tomava o seu café no Café Nacional e sentavam-se na mesma mesa pessoas que eram contra a situação política, portanto do Partido Socialista. O Dr. Sousa Pereira, por exemplo, foi um homem sempre da oposição e eles sentavam-se à mesma mesa, onde eu tive o prazer de me sentar muitas vezes também.

Aguarela- Ainda existe esse café? Onde é?

Dr. Amorim- Existe, é junto da Caixa Geral de Depósitos. Era esse café que as pessoas de classe frequentavam. Não era um homem que se pudesse definir pelas suas ideias políticas, era um homem do Estado Novo, um homem que, quando se falava de liberdade de imprensa, dizia:"Nada disso, nada disso…" – eu lembro-me dele dizer isso várias vezes. Ele era director de um jornal, "A Renovação", um jornal do Estado Novo. Nunca escreveu, nem nunca o leu, mas foi o seu director. Não ligava àquilo. Não me parece que seja o seu pensamento político que o identifique porque ele tinha comportamentos que não tinham nada a ver com a ideia que hoje se faz do regime político anterior ao 25 de Abril.

"Era um homem humanitário, um bom cidadão. Muitas vezes não se dá o devido valor a um indivíduo que no seu dia a dia se comporta como homem e que, pela sua dignidade, merece o respeito de todos…"

Aguarela Presidente da Câmara e ao mesmo tempo médico…

Dr. Amorim Um homem de confiança do Estado Novo, sem dúvida nenhuma, um homem que defendia o regime, mas não era um homem que usava o poder para ter qualquer benefício, era um homem humanitário, um bom cidadão. Muitas vezes não se dá muito valor a um indivíduo que no seu dia a dia se comporta como homem e que, pela sua dignidade, merece o respeito de todos…

O Dr. Carlos Pinto Ferreira era um homem sem nenhuma preocupação de dar nas vistas, um homem que não tinha preconceitos sociais absolutamente nenhuns, um homem que convivia com toda a gente. Tinha momentos de se zangar com alguém mas no dia seguinte já não se lembrava de nada.

Aguarela- Uma época de muitas carências e um homem que se eleva , fazendo o bem…

Dr. Amorim- Eu acho que o povo o exprimiu bem o que sentia quando lhe levantou a estátua, o busto que está em frente das escolas. Eu participei no movimento, que levou depois à colocação da placa na casa onde nasceu. Ele já tinha o nome numa avenida em Vila do Conde, nas Caxinas. Tudo isto foi muito natural, ele era incapaz de mover qualquer influência para o seu nome ficar gravado para sempre. Foi o povo que consagrou o nome do Dr. Carlos Pinto Ferreira.

Um episódio elucidativo: Quando entrei para a comissão, coloquei esta questão: "Depois do 25 de Abril, nós vamos pôr uma placa e um busto do Dr. Carlos Pinto Ferreira numa praça pública!?" – Naqueles tempos, toda a gente conotada com o Estado Novo nem sempre era respeitada. Eu receava que um dia o Dr. Carlos Pinto Ferreira passasse por ali e visse o seu busto com qualquer coisa que fosse uma manifestação de má vontade contra ele. Toda a gente disse: "Não, senhor! Não pense nisso!"

Era um homem naturalmente respeitado e querido pelo povo.

Prof. Olívia Queirós & Prof. Serafim Faria

 

Um Homem de Ação

Se fosse vivo, o Dr. Carlos Pinto Ferreira teria feito 98 anos de idade no dia 7 de Abril de 2002. Para comemorar essa efeméride, lembrando o homem ilustre que deu o nome à nossa escola, apresentamos um excerto da acta da reunião do Executivo Camarário de Vila do Conde do dia 19 de Maio de 1965. É uma passagem da acta que mostra a importância que o Dr. Carlos dava a uma outra escola, a Escola de Rendas de Bilros, de que os vilacondenses tanto se orgulham. Aproveitamos para agradecer a atenção com que fomos recebidos na Câmara Municipal.

«Escola de Bilros – Disse o Senhor Presidente [Dr. Carlos Pinto Ferreira] que a Directora da Escola de Rendas de Bilros entendia que, dado o mau estado de conservação do prédio onde se encontra instalada aquela escola, a precisar de uma reparação geral, se deveria aproveitar a oportunidade de ficar vago o prédio do Posto Médico, logo que este se instale no seu novo edifício; que a sugestão seria de aceitar (acrescentou o Senhor Presidente), se não houvesse uma diferença acentuada nas rendas, estando a pagar-se presentemente quatro mil e duzentos escudos por ano, enquanto o posto médico paga vinte e seis mil e quatrocentos escudos e o prédio precisa de adaptações e reparações de elevado custo; que mais vale a Câmara fazer no actual prédio as reparações precisas, que lhe competem pelo contrato de arrendamento, que não seriam, agora tão volumosas se se tivessem efectuado à medida das necessidades em anos anteriores e que, em todo o caso, seria a Câmara obrigada a fazer se o senhorio o exigisse na ocasião da entrega do prédio; que há urgência em se efectuar algumas reparações mais necessárias, como as de telhados, janelas, portas e outras, o que se poderá fazer com pessoal da Câmara e aquisição de materiais; que, porém, não há para tanto verba no orçamento e não se pode aguardar a aprovação do suplementar; que assim propunha se fizessem as reparações mais precisas por administração directa, requisitando-se desde já os materiais precisos a pagarem-se depois de haver verba orçamental. Foi aprovado por unanimidade.»  


  

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